Mauro Lopes nomeia as quatro principais
famílias do Basta! Fora Dilma! (Sobre as quatro famílias que decidiram derrubar um governo democrático). São
elas: os Marinho (Organizações Globo), os Civita (Grupo Abril/Veja), os Frias
(grupo Folha) e os Mesquita (Grupo Estado). Mas há outras com “mídias de
segunda linha, como os Alzugaray (Editora Três/Isto é) e os Saad (Rede
Bandeirantes), ou regionais, como os Sirotsky (RBS, influente no sul do país).”
Não à toa, a mesma novela da vida real assola nossas mentes, sobretudo nos
últimos quatro ou cinco anos, em todos os canais e redes, segundo uma lógica maniqueísta
que reduziu a crítica política ao ódio dos revoltados (um ódio notadamente feito,
ou seja, estrategicamente fabricado). Tal lógica se explicita também, e cada
vez mais, na operação Lava Jato. O
bom mocinho contra o império do satanás. E para ser vencido o mal, a ordem do
devido processo legal foi subvertida sob a presunção evidente da culpabilidade:
primeiro o acusado vira notícia, em seguida a opinião pública o condena, depois
o juiz assina a sentença e, por fim, a polícia o prende. Ou o conduz
coercitivamente. Neste caso, a distinção entre os termos não altera a prática
autoritária, cuja evidência fica cada vez mais clara para outros países. E é
curioso, mas não espantoso para quem estuda um pouquinho de história, ver como algumas
coisas voltam, mas voltam, claro, na diferença e na particularidade de seu
acontecimento. Voltam as contradições de classe, volta sempre o poder econômico
de uma minoria sobre a maioria, mas também volta o fenômeno de uma tirania da maioria,
tal como Alexis de Tocqueville escreve a respeito do perigo d’ A democracia americana, de 1835. E a
nossa república democrática brasileira, afinal de contas, seria capaz de virar
uma tirania? Quem duvida? As oitocentas e quatorze páginas de René Dreiffuss, 1964, A conquista do Estado, revelam não
apenas a enorme paciência de um historiador e cientista político para ler e
escrever tanto e tão bem, com seus organogramas, documentos e inumeráveis notas
de rodapé. Revelam o que permite à teoria compreender, com o esforço que lhe é
próprio, o que foi 1964, donde a razão de seu subtítulo: ação política, poder e
golpe de classe. A mim, que neste momento o leio, e bem devagar para não perder
um pensamento, tenho a impressão de assistir um noticiário crítico do presente,
cujo horizonte me assusta. Ele mostra como foi formado o IPES (Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais) no início dos anos 1960, entre Rio e São Paulo. O
que unificava seus militantes, diz o estudioso, “eram suas relações econômicas
multinacionais e associadas, o seu posicionamento anticomunista e a sua ambição
de readequar e reformular o Estado”. René Dreiffuss fala de um verdadeiro assalto à opinião pública por
parte do IPES, em razão de seu relacionamento direto com importantes jornais,
rádios e televisões nacionais. Cita os Diários Associados (de Assis Chateaubriand),
a Folha de São Paulo (os Frias), o Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde (os Mesquita), cita J.
Dantas do Diário de notícias, a TV
Record e a TV Paulista, o Jornal do
Brasil, o Correio do povo do Rio
Grande do Sul e ademais cita, vejam que surpresa, O Globo, das Organizações Globo do grupo Roberto Marinho, sem falar
na influente Rádio Globo. Mas vamos ler o autor (reparem, por favor, as aspas
dentro das aspas!): “Eram também ‘feitas’ em O Globo notícias sem atribuição de fonte ou indicação de pagamento
e reproduzidas como informação fatual. Dessas notícias, uma que provocou um
grande impacto na opinião pública foi que a União Soviética imporia a
instalação de um Gabinete Comunista no Brasil, exercendo todas as formas de
pressões internas e externas para aquele fim.” E o capítulo de nosso terror na
vida política e social dos anos 1960 estava apenas começando, com a demonização
do comunismo e a articulação dos militares contra João Goulart. Quanta verdade
não se inventa por aí! E fora da novela de nossa vida real, vemos o espectador indignado
contra a corrupção de um único partido, concentrado na vingança absoluta do bem
contra o mal, enquanto escorre ao fosso, dia após dia, os seus direitos
políticos e sociais.
Jason
de Lima e Silva
Cena do filme O processo de Orson Welles, de 1962,
baseado no livro homônimo de Franz Kafka, de 1925
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