É preciso lembrar a atualidade de Z. Z
é um filme franco-argelino, dirigido por Costa Gravas, de 1969. Ele abre com imagens
de brasões, medalhas e insígnias militares e cristãs. Ao fundo, a maravilhosa trilha
de Míkis Theodorákis, um artista sempre politicamente engajado. A trilha fica mais baixa e ouvimos um discurso sobre a pulverização das vinhas para prevenir o
aparecimento de fungos. Vemos uma ampla sala e militares sentados em carteiras,
como se fosse uma escola militar ou algo do tipo. A doença das vinhas, diz o
palestrante antes de passar a palavra ao general, aparece ao lado de outra
doença: é uma doença ideológica que
afeta os homens. O orador anuncia o próximo tópico, o tópico do general. Ouvimos
os aplausos. A imagem congela e aparece a legenda: Qualquer semelhança com os fatos, ou pessoas vivas ou mortas, não é mera
coincidência mas intencional. Uma advertência dos roteiristas. O que
aconteceu lá naquele tempo? O que acontecerá na história do filme? O que acontece
conosco atualmente? O filme corresponde a fatos reais da Grécia, antes do golpe
de Estado (1967), em torno do assassinato do deputado Grigoris Lambrakis em
1963. Só ao fim compreendemos por que o nome Z, e o quão grave é, para a história de um povo, a tomada do poder
político ilegitimamente: “não é mera coincidência”. “Tal como o fungo”, diz o
general quando está com a palavra, “a doença ideológica deve ser combatida previamente”,
e por isso “a pulverização dos homens é indispensável”. Primeiro nas escolas,
depois nas universidades. Esse fungo é o que nos afasta de Deus e da Coroa, é
um inimigo, diz o general, bastante convicto de suas ideias. “Com o aparecimento
dos sistemas de ismos” (socialismo,
anarquismo... comunismo), “as sombras se espalham sobre o sol. Deus se recusa a
iluminar os vermelhos”. Por fim, ele anuncia a vinda de um inimigo: o político esperado
por um grupo de militantes para se posicionar contra a instalação de mísseis
americanos no território grego.
Cena do filme Z (Costa
Gravas, 1969), com Yves Montand e Irene Papas,
baseado no romance
homônimo de Vassillis Vassilikos, de 1963
Qual a lógica dos reacionários? Se queres
a guerra, combata a paz. E a primeira medida para se combater a paz é inventar
o inimigo, em nome de deus ou da democracia, ou de ambos se for o caso. René Dreifuss (já o citei: 1964,
A conquista do estado, de 1981) fala de guerra psicológica através do
rádio, da televisão, dos jornais, dos cartuns e dos filmes, a ponto de estimular "uma reação quase histérica das classes médias", segundo a
doutrinação da elite orgânica contra “o comunismo, o socialismo... e a
corrupção do populismo” e de “uma grosseira propaganda anticomunista”, antes e
durante o golpe civil-militar de 1964. Um bom exemplo da grosseira invenção do inimigo aparece
numa edição de julho de 1963 de O gorila,
publicado pelas Forças Armadas. Depois de apresentarem o que julgavam ser o
marxismo, os autores caracterizam o comunista: “Ele é aparentemente
inofensivo... nunca se trai, sempre amigo, o mais sincero, o mais leal... até o
dia em que ele o assassinará pelas costas, friamente... Eles matam frades,
violam freiras, destroem igrejas”. É engraçado, não? Nada tão bizarramente atual.
E seria de fato cômico se a ignorância quanto ao significado dos diferentes ismos não gerasse o ódio, o ódio não
revertesse na estupidez necessária para a ofensa e a ofensa não fosse a razão
suficiente para guerra. Como e por que razão conversar com o pior ignorante,
aquele definido por Platão em seus apaixonantes diálogos: o que ignora a própria ignorância, o que nega não saber? E por isso
mesmo permanece blindado por suas convictas opiniões. Como se fossem realmente próprias
as suas ideias a respeito de si e do mundo.
Jason
de Lima e Silva
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